Saúde
Misofonia: conheça a doença auditiva de quem tem hipersensibilidade a certos sons
Dados da USP mostram que 150 mil pessoas são diagnosticadas com o problema no Brasil todos os anos
No Big Brother Brasil de 2020, exibido na TV Globo, a ex-participante Marcela Mc Gowan revelou sofrer de misofonia. De acordo com Tanit Sanchez, otorrinolaringologista, docente da faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e estudiosa do ouvido há 30 anos, a misofonia ou Síndrome da Sensibilidade Seletiva a Sons é uma doença caracterizada pela aversão a determinados sons que não incomodam a maioria das pessoas. “Quando se pensa em desconforto com sons, intuitivamente, vem à mente a relação com o volume dos sons, a típica situação da poluição sonora encontrada nas grandes cidades. Definitivamente, esse não é o problema das pessoas com misofonia. Pelo contrário, o desconforto delas costuma ocorrer na presença de sons de volume baixo, porém repetitivos”, explica. Sanchez acrescenta que, apesar de representar um problema antigo, a misofonia só foi descrita e reconhecida cientificamente perto do ano 2000, um marco que representou o início do avanço de novas pesquisas. “No entanto, duas décadas não são suficientes para responder todas as dúvidas”, afirma.
Sons incômodos
A médica diz que alguns sons são comuns para a maioria dos que sofrem com o problema, enquanto outros só irritam uma minoria como, por exemplo, sons feitos com a boca (mastigar e deglutir alimentos, mascar chiclete, tossir, pigarrear, estalar lábios, assoviar, tomar sopa); sons feitos com o nariz (respiração ruidosa ou ofegante, soar o nariz, roncar); sons feitos com as mãos e os pés (digitar, clicar caneta, usar talheres, tamborilar, mexer chaves, abrir papel de bala/pipoca, arrastar chinelo, andar de salto alto); além de algumas vezes, sons emitidos por animais (latidos, miados e piados) provocam aversão.
Tanit comenta que o quadro mais comum na misofonia é a reação emocional negativa, abrupta, intensa, incontrolável e desproporcional à situação em que sons como raiva, ódio, irritabilidade ou nojo estão presentes. Ela lembra também que, com a reação inicial de aversão, podem aparecer sintomas como taquicardia, palpitações, sudorese fria e mal-estar. A professora destaca outras particularidades que envolvem a presença ou não de outros sintomas, como hiperacusia (desconforto com o volume dos sons diários, como tevê, música, vozes); fonofobia (medo irracional de se expor a sons porque eles podem prejudicar os ouvidos) e zumbido (som tipicamente percebido nos ouvidos em momentos de silêncio). Um dos estudos que a especialista participou, mostrou que os candidatos entrevistados com misofonia apresentaram ansiedade, zumbido, transtorno obsessivo-compulsivo e hiperacusia. “Em termos de comportamento, algumas pessoas se afastam da fonte sonora que as incomoda, outras são agressivas (verbalmente e/ou fisicamente) e uma minoria se aperta, se contrai e até se machuca como forma de aguentar o desconforto em situações onde não sentem liberdade de se manifestarem. Muitas delas têm dificuldade de manter um relacionamento familiar, profissional, afetivo ou social de forma normal quando não são compreendidas pelos demais”, aponta.
Segundo a otorrinolaringologista, existe a possibilidade de a misofonia ser hereditária, pois vários pacientes têm pelo menos um familiar com sintomas parecidos. Ela conta que essa aversão a sons começa na infância ou na adolescência, e dificilmente ocorre na vida adulta. “Como os pais não entendem o que acontece com os filhos, esses jovens, muitas vezes, são considerados antissociais, chatos e ranzinzas, podendo ser responsáveis por acirrar um conflito familiar”, ressalta.
Tratamento
Tanit salienta que a ciência e a prática clínica ainda precisam avançar bastante para indicar o caminho do tratamento e, quem sabe, da cura da misofonia. Apesar de soluções definitivas para o tratamento ainda não terem aparecido, a especialista lista as opções disponíveis.
Medicamentos: com indicação e prescrição exclusivamente médica, alguns já são usados para outros sintomas do ouvido (zumbido e hiperacusia) ou para sintomas emocionais (ansiedade, fobia, transtorno obsessivo-compulsivo), podem ser úteis para alguns pacientes, embora ainda não haja consenso científico.
Estimulação sonora: usando sons baixos, leves e estáveis que podem mudar a hiperativação do sistema límbico e do córtex pré-frontal.
Técnica de mudança comportamental: terapia cognitivo-comportamental e monitoração da atenção e meditação.
Neurofeedback: faz a pessoa aprender a retomar o controle, pois ela aprende, novamente, a relaxar a musculatura da testa conforme o eletrodo, a acalmar respirando fundo até a sudorese melhorar e voltar a conseguir fazer a tarefa. Essa é uma maneira, em várias sessões, de fazer com que os pacientes tentem recuperar a qualidade de vida e a funcionalidade nas tarefas, pois mesmo na presença dos sons gatilhos da vida real, eles vão treinando sempre para voltar ao normal e conseguir realizar o que faziam antes.
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